Cena de abertura: Benito Mussolini, ainda jovem, ateu e socialista. Durante uma reunião sindical, segura um relógio de bolso nas mãos e resolve propor o seguinte desafio: "Eu dou exatamente 5 minutos, caso Deus realmente exista, para que ele me fulmine, bem em frente a vocês. Cinco minutos!" Mussolini aciona o cronômetro do relógio em questão e, diante de uma atônita platéia, aguarda os tais cinco minutos. E ao final do tempo proposto, com o relógio em mãos, afirma: "Está, portanto, comprovado: Deus não existe!" 

Diálogo extraído de "Vincere" (2009), sensacional filme dirigido pelo cineasta italiano Marco Bellocchio: um autêntico demolidor de instituições. 

O filme em questão, apresenta e acompanha transformação e ascensão do jovem Mussolini, de ex- militante socialista, a comandante da mais violenta e anti-liberal onda política, já vivida pela Itália.

Por meio do retrato de um jovem sindicalista ambicioso e com muita vocação para iludir e conduzir a massa, sedenta de sangue e "justiça", "Vincere" retrata o processo de construção do monstro (brilhantemente vivido pelo ator Filippo Timi aliás ), ao lado de sua primeira e jamais reconhecida oficialmente esposa, Ida Dalser (vivida com maestria, pela atriz Giovanna Mezzogiorno).

Mussolini, pragmático e amoral sempre, se apoderou da pequena fortuna então possuída por Ida Dalser, para fundar um jornal que víria a funcionar, justamente como veículo de divulgação da construção do mito por trás do homem abjeto.

De forma histriônica, oportunista e violenta (tanto física, quanto discursiva) Mussolini foi, sobretudo no que se refere à Itália, um dos grandes líderes deste processo de anulação das liberdades individuais, em prol do irracionalismo como motor da trágica história. E é impressionante como, guardadas as devidas proporções, tudo se repete, por meio do surgimento e ascensão de figuras tão grotescas e amorais quanto ele , na América Karina contemporânea.