O ESPELHO FRAGMENTADO DA HUMANIDADE
- Categoria: Cinema
- Publicação: 04/09/2025 15:25
- Autor: Loide Almeida
Durante o curso de dramaturgia oferecido pela Fundação das Artes em São Caetano do Sul, ano
passado, sob a orientação do professor Bobby Baq , recebemos uma proposta desafiadora:
escolher um personagem que representasse, ao mesmo tempo, um reflexo e um complemento da
humanidade contemporânea. Para essa missão, optei por Kevin Wendell Crumb, protagonista do
filme Fragmentado, cuja complexidade me parece um retrato do nosso tempo.
Em um tempo em que a identidade se tornou múltipla, fragmentada e, muitas vezes, contraditória,
Kevin Wendell Crumb — personagem criado por M. Night Shyamalan e imortalizado na
interpretação visceral de James McAvoy em Fragmentado — surge como um dos retratos mais
inquietantes da humanidade contemporânea.
Kevin sofre de Transtorno Dissociativo de Identidade, carregando dentro de si não apenas uma,
mas diversas vozes, cada uma clamando por espaço, controle e sobrevivência. Essa condição, que
em muitos discursos se torna uma caricatura, aqui ganha corpo, densidade e complexidade.
Mas o que Kevin nos diz sobre nós mesmos? Ele reflete nossa era em que todos desempenhamos
papéis múltiplos: somos diferentes no trabalho, em casa, nas redes sociais. Carregamos versões
de nós que, por vezes, colidem. A luta de Kevin para equilibrar suas identidades ecoa o dilema de
uma sociedade que tenta conciliar demandas externas e internas, ora sufocada pela performance,
ora em busca de autenticidade.
Ao mesmo tempo, Kevin complementa a humanidade ao expor uma verdade latente: dentro de
cada fragmento existe dor, mas também resiliência. Suas múltiplas personalidades são
mecanismos de defesa, construções de sobrevivência diante de um trauma. Ele nos lembra que a
condição humana é marcada por cicatrizes invisíveis, e que, por trás daquilo que a sociedade
chama de “desvio”, existe um grito por compreensão.
Kevin, então, é metáfora. Ele nos desafia a olhar para além do rótulo e a perceber que a
complexidade não é falha, mas parte essencial da experiência humana. Reconhecê-lo como
espelho é reconhecer, em nós, o turbilhão de vozes que tentamos harmonizar diariamente.
Se o teatro é a arte de revelar a verdade através da ficção, Kevin Wendell Crumb é dramaturgia
pura: um ser que nos obriga a encarar a instabilidade da identidade contemporânea, mas também
a força que emerge do caos.
No cinema contemporâneo, poucos personagens provocaram tanto impacto quanto Kevin
Wendell Crumb. Para mim, trata-se de uma das interpretações mais brilhantes já vistas: uma busca
radical pela verdade, marcada pela entrega total do ator em sua mimese (processo de recriar a
verdade da vida em cena), pela caracterização minuciosa e pela pesquisa que fez emergir
sentimentos latentes de maneira assustadora e visceral. É uma performance que impressiona, mas,
sobretudo, que nos convida a refletir sobre a humanidade de hoje.
O que mais inquieta em Kevin não é apenas sua condição clínica, mas a semelhança perturbadora
com a nossa própria vida. Em suas múltiplas vozes, reconhecemos as divisões e contradições que
habitam cada um de nós.
No fim, Kevin nos recorda que ninguém é inteiro — somos todos apenas fragmentos tentando
fazer sentido. Como diria Stanislávski: “O teatro começa onde o homem interior se revela.”
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